Démodé

«Eu comecei a namorar com a minha excelentíssima esposa em 1992, um ano após a queda da União Soviética e muito antes da Al-Qaeda ter sido inventada. A nossa relação dura, portanto, há 18 anos. Tendo em conta que eu tenho 36 anos de idade, isso significa que o meu tempo de vida em conjunto com ela já superou o meu tempo de vida sem ela. É bonito? Sim, eu acho que é bonito, mas no mundo em que vivemos é sobretudo raro. Tão raro que as minhas conversas sobre relações amorosas poderiam ser patrocinadas pela Greenpeace: eu sou uma espécie em vias de extinção. Com esta diferença: ninguém me quer preservar.

Na verdade, sendo absolutamente démodé, a minha falta de currículo em matéria feminina é olhada pelos meus interlocutores como se eu fosse um professor de Português que nunca leu Os Maias. É muito mais uma falha do que um mérito. E a coisa agrava-se pelo facto de eu próprio não ter qualquer explicação para esta longevidade sentimental, para além daquelas coisas óbvias, do tipo "bom, eu continuo a gostar dela e ela tem um grande espírito de sacrifício".

Mas há que admitir que nessas conversas sobre homens, mulheres e a volatilidade das relações (depois de ter passado há cinco anos pela fase dos casamentos dos amigos estou a iniciar-me na fase dos divórcios) costuma surgir um argumento que me encanta: o da inevitabilidade de "seguir o coração", como se fosse nosso destino incontrolável (senão mesmo obrigação moral) correr atrás de todas as paixões da alma. Ou, citando os mui pirosos Delfins, "sou como um rio/ correndo só para te ver". É como se o homem e a mulher dos dias de hoje estivessem condenados a seguir na correnteza sentimental, não tendo bracinhos nem perninhas para remar contra a maré.

Isto é uma extraordinária contradição, porque ao mesmo tempo que vivemos na era de todos os individualismos parece que não somos donos dos nossos destinos nas matérias do coração. Se alguém se enrola com a colega de trabalho, encolhem-se os ombros, porque, afinal, apenas se "seguiram os sentimentos". Esta espécie de inimputabilidade em matéria sentimental é profundamente infantil, e uma desculpa confortável para aliviar pesos de consciência – não se está a trair, mas sim a ser-se fiel a si próprio. Eu não acredito nisso. É démodé? É. Mas talvez explique boa parte dos tais 18 anos.»

João Miguel Tavares, jornalista, in Correio da Manhã

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